Vieses Cognitivos e Gerenciamento de Riscos: Lições de Chernobyl

A percepção de risco é a interpretação objetiva, subjetiva e individual que indivíduos, organizações ou sociedades fazem sobre a probabilidade e as consequências de eventos adversos (riscos). Ela não se baseia apenas em fatos ou estatísticas, mas também é influenciada por fatores emocionais, cognitivos e experiências passadas.

Quando não temos KPIs, histórico de incidentes ou estatísticas que nos ajude a quantificar impacto e probabilidade desses eventos adversos, ficamos suscetíveis às análises qualitativas de percepção de risco. Essas análises podem ser influenciadas por nossas emoções como medo, ansiedade e otimismo, podendo levar a comportamentos/julgamentos mais arriscados ou excessivamente cautelosos.

Os vieses cognitivos são erros sistemáticos que ocorrem como estratégias de simplificação no processamento da informação e podem afetar nossas decisões e julgamentos.

Listei abaixo os principais vieses que interferem na análise de riscos.

Excesso de Confiança: Esse viés ocorre quando os gestores superestimam sua própria capacidade de prever eventos futuros ou avaliar riscos. Caso prático: Subestimar a probabilidade de eventos adversos.

Efeito Ancoragem: Esse viés envolve a tendência de fixar-se em informações iniciais, mesmo quando novos dados estão disponíveis. Caso prático: se uma empresa nunca teve um incidente grave de segurança, os gestores podem ancorar sua percepção de risco em zero incidentes, ignorando os riscos emergentes.

Viés de Confirmação: Esse viés ocorre quando buscamos informações que confirmam nossas crenças preexistentes e ignoramos evidências contrárias. Caso prático: Isso pode criar bolhas de informação e reforçar crenças preexistentes, limitando a compreensão dos riscos globais.

Vieses de Informação e Disponibilidade: Esses vieses referem-se à influência de informações prontamente disponíveis ou facilmente acessíveis. Caso prático: Se lembramos de casos recentes de acidentes, podemos superestimar a probabilidade de ocorrerem novamente.

Baixa Tolerância ao Risco: Embora não seja estritamente um viés cognitivo, a baixa tolerância ao risco pode afetar as decisões de gerenciamento de riscos. Caso prático: Um investidor que concentra todo o seu capital em um único ativo ou setor, evitando diversificar para reduzir os riscos, pode aumentar a vulnerabilidade a eventos específicos.

A gestão eficaz de riscos envolve equilibrar emoções com análises objetivas e estratégias sólidas. Todos os cenários devem ser analisados, tanto os positivos quanto os negativos.

Trago um caso famoso, ocorrido em 26 de abril de 1986, o acidente nuclear de Chernobyl na Ucrânia, que teve como principal problema o superaquecimento e explosão do reator 4 da usina nuclear, para exemplificar como alguns vieses podem ser identificados.

Resumo do acidente para posterior compreensão dos vieses:

Causas:

Durante um teste de segurança, os operadores do reator descumpriram diversos itens dos protocolos de segurança. Além disso, os reatores RBMK (usados em Chernobyl e em outras usinas soviéticas) tinham um grave erro de projeto que permitiu o acidente.

Detalhes do Acidente:

O teste estava em curso quando ocorreu a explosão no reator 4, e dois trabalhadores da usina foram mortos na explosão.

Um incêndio no reator 4 se estendeu durante dias, deixando o núcleo nuclear exposto, e tal incêndio lançou uma elevada quantidade de material radioativo na atmosfera.

Consequências:

A radiação espalhou-se pelo mundo, afetando locais distantes como Polônia, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá.

A cidade de Pripyat, próxima à usina, foi abandonada.

Deixo o link de um vídeo bem didático sobre o acidente, riscos e impactos, caso desejem se aprofundar no tema: https://youtu.be/DiGqjYkRQ6o?si=TzhFSFQXSUfCDhgZ

Esse acidente nuclear é um exemplo marcante de como os vieses cognitivos podem ter impacto no gerenciamento de riscos em uma situação crítica. Discorro abaixo sobre o tema.

Viés de Confiança:

· Descrição: Tendência a subestimar a probabilidade de eventos negativos.

· Impacto: Os engenheiros e operadores da usina podem ter subestimado os riscos associados aos testes no reator, acreditando que tudo correria bem. Além disso, A gravidade da contaminação radioativa e seus efeitos na saúde humana foram inicialmente subestimados. A área ao redor da usina permanecerá inabitável por milhares de anos.

Viés de Confirmação:

· Descrição: Buscar informações que confirmam crenças preexistentes.

· Impacto: Os operadores podem ter ignorado sinais de problemas, como instabilidades no reator, para confirmar suas expectativas de sucesso.

Viés de Disponibilidade:

· Descrição: Dar mais peso a informações prontamente disponíveis.

· Impacto: Os operadores podem ter focado em dados imediatos, ignorando evidências de riscos mais amplos.

Em Chernobyl, esses vieses contribuíram para decisões desastrosas, como a realização de testes inadequados e a falta de comunicação eficaz durante a emergência.

Em linhas gerais, num primeiro momento, ou durante a implementação do gerenciamento de riscos, é comum não termos todas as informações e métricas necessárias para quantificação precisa dos riscos, mas a partir do primeiro mapeamento de riscos, controles e métricas devem ser implantados para que no momento de atualização da sua matriz de riscos, você consiga mensurar cada vez mais assertivamente o efeito residual de um possível evento adverso.

Sobre a Autora:

Michelle Martins é Head de Auditoria Interna e especialista em Gerenciamento de Riscos (ERM), Controles Internos e Compliance, com mais de 17 anos de experiência nessas áreas. Formada em Ciências Contábeis, ela possui MBA em Gestão de Riscos e Compliance e é certificada em COBIT5. Michelle tem um histórico comprovado na implementação de estratégias eficazes para assegurar a integridade e a conformidade organizacional, e é amplamente reconhecida por sua expertise em fortalecer controles internos e práticas de gestão de riscos.

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