A ética nas organizações ganhou um novo significado no contexto no qual empresas
se importam cada vez mais com reputação perante o mercado, buscam a construção
de relações sustentáveis com o ecossistema em que estão inseridas e priorizam a
eficiência à expansão desenfreada.
Para além do cumprimento de legislações e normativas setoriais, departamentos
jurídicos e de compliance buscam a construção de uma cultura ética para evitar
prejuízos com fraudes, custos desnecessários com altas taxas de rotatividade de
funcionários (os turnovers) e o aumento do lucro através da integridade e da
responsabilidade financeira, social e ambiental.
No entanto, embora seja tema recorrente de palestras e cursos, bem como objeto de
desejo de programas de integridade, a cultura ética não possui uma definição que seja
consenso entre a literatura especializada. Mesmo que se deseje alcançá-la em razão
do impacto negativo que o comportamento antiético causa nas organizações
(diretamente ligado à diminuição de receita e perda da boa vontade do público) e do
fato do bem-estar dos colaboradores estar ligado à presença de uma cultura ética
organizacional[1] , “não há uma definição comum e consensual de cultura ética, e os
estudiosos geralmente desenvolvem suas próprias definições” [2] . Essa multiplicidade de
conceitos torna o horizonte pró-conformidade mais nebuloso e pode impedir o alcance
desse objetivo.
Diante desse cenário, como forma de auxiliar profissionais que buscam estabelecer
uma cultura organizacional ética com o desenvolvimento do programa de
conformidade corporativo, os pesquisadores Achinto Roy, Alex Newman, Heather
Round e Sukanto Bhattacharya, todos ligados à Deakin University, realizaram uma
revisão bibliográfica com 89 artigos para buscar entender o que podemos
compreender como sendo “cultura ética”.
Entre os tópicos pesquisados, em primeiro lugar, é importante entendermos que não
existem diferenças conceituais entre cultura ética organizacional, cultura empresarial
ética ou cultura de ética corporativa. Esses termos são utilizados “de forma
intercambiável na literatura para se referir à cultura ética”[3] .
Em segundo, é essencial compreendermos que os debates acerca da conceituação e
formas de mensuração de uma cultura ética são conduzidos, de modo majoritário, por
duas correntes: as lideradas pelos professores Treviño e Kaptein. A corrente liderada
pela professora Linda Treviño[4] foi a responsável por cunhar o termo “cultura ética” e
desenvolver o Ethical Culture Questionnaire (ECQ) como forma de mensurar a cultura
ética nas empresas.
Para a professora, a cultura ética de uma organização se manifesta através dos
mecanismos de controles distintos que fazem parte daquele sistema organizacional
formal, ou seja, através de elementos como o código de ética, as lideranças, o sistema
de recompensas e punições. Nesse caso, a cultura ética seria “um subconjunto da
cultura organizacional, que representa uma interação multidimensional entre vários
sistemas “formais” e “informais” de controle comportamental que são capazes de
promover comportamentos éticos ou antiéticos”[5] .
Já para o professor Kaptein, a preposição consiste em apontar que a cultura ética é
um “construto multidimensional que reflete as virtudes éticas que residem em uma
organização e que, por sua vez, estimulam o comportamento ético e desencorajam o
comportamento antiético”. Nessa toada, a virtude ética é lida como sendo um conjunto
de características que um indivíduo ou organização deve possuir para se destacar
moralmente.
Com isso em mente, Kaptein adapta o conceito cunhado por Treviño e distingue clima
ético de cultura ética: “Na literatura sobre ética nos negócios, o contexto
organizacional ético, conforme percebido pelos funcionários, é representado
principalmente por dois construtos: clima ético e cultura ética… A cultura ética é
geralmente definida como os aspectos que estimulam a conduta ética”[6] . Nessa lógica,
o clima organizacional pode ser definido como o “significado compartilhado ligado a
eventos, políticas, práticas e procedimentos vivenciados pelos membros de uma
organização”, ao passo que a cultura organizacional pode ser lida como os “valores,
crenças e suposições compartilhados que surgem por meio da socialização entre os
membros de uma organização”[7] .
Mesmo que também não haja um consenso sobre ambos os conceitos, destaca-se
que enquanto o clima ético é direcionado às percepções dos colaboradores acerca do
que é o certo a ser feito dentro da empresa, a cultura ética é procedimental na medida
em que se relaciona com o fato dos funcionários acreditarem que existem condições
organizacionais que influenciam o comportamento ético[8] . Ou seja, são semelhantes ao
passo que compartilham das percepções dos colaboradores acerca do próprio
contexto, mas possuem suas diferenças.
Fato é que a multiplicidade de definições se concentram em como as questões éticas
são internalizadas e processadas em nível individual ou coletivo e são preditivas de
comportamentos éticos ou não. Para Roy et al. (2023), por exemplo, a cultura ética é
“um subconjunto da cultura organizacional que reflete os valores, as normas e as
crenças compartilhadas sobre o que constitui um comportamento apropriado que
molda a tomada de decisões éticas ou antiéticas em um contexto organizacional”.
A busca por uma definição tangível de cultura ética tem relação direta com a
mensuração da qualidade de um programa de conformidade. Sem um conceito claro,
o trabalho desenvolvido pode ficar refém de avaliações subjetivas ou da construção de
planos de ação vagos, sem o devido direcionamento.
Sobre o autor:
Pedro César Oliveira é advogado especialista em Compliance. Membro da Comunidade Democratizando, também é membro da Associação Brasileira dos Investigadores de Fraudes e do Centro de Estudo de Cultura e Compliance. Possui artigos e livros publicados sobre o tema.
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Referências
[1] – Seguindo a recomendação de Roy et al. (2023), destacam-se os seguintes trabalhos sobre o
impacto do ambiente ético nos colaboradores: (a) Deconinck, J. B. 2005. The influence of
ethical control systems and moral intensity of sales managers’ ethical perceptions and
behavioural intentions. Marketing Management Journal, 15(2): 123–31; (b) Huhtala, M.,
Kaptein, M., Muotka, J., & Feldt, T. 2022. Longitudinal patterns of ethical organisational culture
as a context for leaders’ well-being: Cumulative effects over 6 years. Journal of Business Ethics,
177: 421–42; e (c) de Vries, R., & van Gelder, J. 2015.
[2]– ROY, A.; NEWMAN, A.; ROUND, H.; BHATTACHARYA, S. 2023. Ethical Culture in
Organizations: a review and agenda for future research. Business Ethics Quartetly, 34(1): 1-42.
[3]– Ibid.
[4]– Treviño, L. K. 1990. A cultural perspective on changing and developing organizational ethics.
Research in Organizational Change and Development, 4: 195–230
[5]– Treviño, L. K., Butterfield, K. D., & McCabe, D. L. 1998. The ethical context in organizations:
Influences on employee attitudes and behaviours. Business Ethics Quarterly, 8(3): 447–76.
[6]– Kaptein, M. 2008. Developing and testing a measure for the ethical culture of organizations:
The corporate ethical virtues model. Journal of Organizational Behavior, 29(7): 923–47. Kaptein
(2008: 923; adapted from Treviño & Weaver, 2003).
[7]– Ehrhart, M. G., Schneider, B., & Macey, W. H. 2013 Organizational climate and culture: An
introduction to theory, research, and practice. New York: Routledge.
[8] – Kaptein, M. 2011. From inaction to external whistleblowing: The influence of the ethical culture
of organizations on employee responses to observed wrongdoing. Journal of Business Ethics,
98: 513–30
Referência principal: ROY, Achinto; NEWMAN, Alexander; ROUND, Heather;
BHATTACHARYA, Sukanto. Ethical Culture in Organizations: a review and agenda for
future research. Business Ethics Quartetly.
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