Do Código ao Preconceito: Uma Análise do Racismo Algorítmico e seus Impactos Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tornou-se uma tecnologia de grande impacto na sociedade contemporânea. Suas aplicações vão desde sistemas de recomendação de plataformas digitais até algoritmos que fundamentam decisões em áreas cruciais, como saúde, segurança pública e recrutamento profissional. Contudo, o avanço da tecnologia suscita uma questão crítica: o racismo algorítmico. Esse fenômeno ocorre quando os sistemas automatizados reproduzem ou intensificam preconceitos raciais pré-existentes, perpetuando a discriminação sistêmica e a marginalização dos grupos historicamente discriminados. O mestre em comunicação e cultura contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Tarcízio Silva, explica que “Sistemas algorítmicos, às vezes chamados de inteligência artificial, são sistemas que tomam algum tipo de decisão a partir de alguns objetivos definidos: ranquear um conteúdo, classificar uma pessoa ou mesmo transformar um tipo de conteúdo ou de imagem ou de mídia. O problema é: temos um histórico de séculos de violência racial e de discriminação. Então, por exemplo, se um sistema de IA [inteligência artificial] generativa, que faz uma foto aparentemente de forma automatizada, se baseia no histórico de fotos sobre pessoas negras no Brasil, vai haver uma representação muito negativa, relacionada à criminalidade, relacionada à violência, relacionada à pobreza”. O que é Racismo Algorítmico? O termo “racismo algorítmico” refere-se à existência de preconceitos raciais intrínsecos em algoritmos e sistemas de IA. Esses preconceitos podem ser originariamente provenientes, entre outros, de dados históricos tendenciosos, má escolha de modelos computacionais, falta de diversidade na equipe de desenvolvimento e a inexistência de uma estrutura de governança ética forte. Em consequência, as decisões automatizadas podem afetar de maneira negativa os indivíduos pertencentes a grupos raciais como negros, indígenas e pardos, perpetuando as desigualdades sociais existentes. De acordo com a visão de Tarcizio Silva, na obra “Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais”, o fenômeno é definido como “o modo pelo qual a atual disposição de tecnologias, imaginários sociais e técnicos fortalece a ordenação racializada de conhecimentos, recursos, espaço e violência em detrimento de grupos não-brancos”. Gênese do Racismo Algorítmico É importante destacar que o racismo algorítmico não aparece do nada, mas representa as desigualdades raciais que se inserem na nossa história. Os algoritmos, que são alimentados por dados que muitas vezes refletem um passado de discriminação, podem atuar como um “espelho distorcido”, que perpetua injustiças em novas plataformas tecnológicas, de diversas maneiras, como: Alguns Exemplos de Racismo Algorítmico O documentário “Coded Bias” (Netflix, 2020), dirigido por Shalini Kantayya, lança luz sobre a alarmante presença de vieses racistas presentes nos algoritmos de inteligência artificial, especialmente na tecnologia de reconhecimento facial. A narrativa acompanha a investigação da pesquisadora do MIT, Joy Buolamwini, cujas descobertas revelam as falhas sistêmicas dessa tecnologia. A partir da sua própria experiência no MIT Media Lab, onde seu rosto não era reconhecido por um sistema de IA, a não ser que utilizasse uma máscara branca. Também são mostrados, entre outros, diversos trabalhos de pesquisadores e ativistas que lutam contra o uso não regulamentado da tecnologia de reconhecimento. É o caso de Silkie Carlo, diretora do Big Brother Watch, iniciativa que monitora o uso do reconhecimento facial pela polícia do Reino Unido. A preocupação no mundo todo é que a tecnologia de reconhecimento utilizada para segurança pública acuse e prenda suspeitos com base em uma análise errada. Em 13 de abril de 2024, durante a final do Campeonato Sergipano, um torcedor do time de futebol Confiança foi detido por agentes da polícia militar por erro de reconhecimento facial. Ele foi identificado pela câmera de reconhecimento facial como uma pessoa em conflito com a lei, passou por uma abordagem policial e saiu do estádio algemado. A doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Data Privacy Brasil Johanna Monagreda citou em entrevista para site Instituto Claro, o caso da deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ) que, em outubro de 2023, relatou ter passado por esse tipo de discriminação ao gerar uma imagem via inteligência artificial. “Ela deu as instruções para o aplicativo: ‘Ah, eu quero que você faça a imagem de uma mulher negra com cabelo black na favela’. Ela descreveu a imagem que queria, e a inteligência artificial devolveu para ela a imagem de uma mulher negra com cabelo black na favela e incorporou uma arma na mão daquele desenho. Esse é um claro exemplo de racismo algorítmico, porque estereótipos sobre pessoas negras e sobre estar na favela ou a vida em comunidade acabaram sendo imbricados na tecnologia, de forma que, na produção dessa imagem, a própria tecnologia fez a relação que a humanidade faz, que é aquela relação de a favela como um território de violência”, explica Monagreda. Impactos Significativos do Racismo Algorítmico O racismo algorítmico transcende uma mera falha técnica, acarretando consequências sociais significativas: Estratégias para Mitigação do Racismo Algorítmico Identificar as raízes do racismo algorítmico é uma tarefa primordial, mas não menos significativa é o desenvolvimento e a implementação de estratégias de mitigação de seus efeitos, como as seguintes: O Potencial da Inteligência Artificial na Promoção da Equidade Apesar dos riscos identificados, a inteligência artificial pode ser uma ferramenta valiosa para combater o racismo e promover a inclusão social. Se desenvolvida com responsabilidade, pode auxiliar na detecção de desigualdades, no monitoramento de práticas discriminatórias e no suporte a políticas públicas mais equitativas. Por exemplo, podem ser aplicados algoritmos na análise de dados educacionais para identificar barreiras enfrentadas por estudantes de grupos em situação de vulnerabilidade, subsidiando a criação de intervenções específicas. Conclusão O racismo algorítmico é um desafio urgente e complexo que impõe o engajamento dos desenvolvedores, pesquisadores, formuladores de políticas e da sociedade civil. A inteligência artificial tem o potencial de acentuar desigualdades sociais a partir de seu uso impróprio, mas se desenvolvida em consonância com os princípios de diversidade, equidade e inclusão, poderá servir como uma poderosa aliada na luta pela justiça social. A responsabilidade é compartilhada e passa pela reflexão sobre o papel da tecnologia em nossas vidas, pelo apoio a