Empresas que não avaliam a efetividade da aplicação de seus treinamentos de compliance podem estar deixando de avaliar o bom funcionamento do seu programa de conformidade Esse é um dos argumentos postos no artigo do André de Andrade na Revista Científica do Centro de Pesquisa em Crimes Empresariais e Compliance/UERJ (você pode conferir a íntegra aqui). Para o autor, “a eficácia dos treinamentos implica na efetividade do programa de compliance e, por este motivo, a adoção de avaliações e testes obrigatórios é de tão grande valia para auxiliar as autoridades e órgãos fiscalizadores na avaliação de programas de compliance e para orientar as empresas a atuarem de forma ativa e preventiva implementando verdadeiros programas de compliance e abandonando a cultura do compliance “de papel” (p. 216).  O fio argumentativo consiste em que, embora o sistema normativo nacional tenha um conjunto de legislações específicas e diretrizes da Controladoria-Geral da União (CGU), não existe uma preocupação legal em auferir a efetividade da internalização das informações por parte dos colaboradores. Quando tratam de treinamentos, referidos documentos se contentam com um formalismo (por isso “compliance de papel”) averiguando listas de presença e horas de treinamentos dadas. Esse cenário evidencia uma lacuna significativa no processo de conformidade e na garantia de que as informações transmitidas durante os treinamentos sejam realmente absorvidas e compreendidas pelos colaboradores. A mera verificação de listas de presença e a contabilização de horas de treinamento fornecem apenas uma medida superficial do cumprimento das exigências normativas. Esses métodos não asseguram que os colaboradores assimilaram corretamente os conteúdos e, consequentemente, possam aplicá-los de maneira efetiva em suas atividades cotidianas. A ausência de mecanismos para avaliar a compreensão e a retenção do conhecimento adquirido nos treinamentos compromete a verdadeira finalidade do compliance, que é garantir que os colaboradores atuem em conformidade com as normas e diretrizes estabelecidas. Sem essa avaliação, o sistema normativo nacional corre o risco de ser percebido como um conjunto de obrigações formais sem impacto real na prática profissional, perpetuando uma cultura de conformidade superficial. Para Andrade (2024), que compreende o programa de compliance como um processo empresarial interno, a ausência dessa preocupação consiste em descumprimento de um dos pilares em prol da conformidade corporativa, uma vez que é por meio dos treinamentos que ocorre a conscientização dos colaboradores e a internalização da cultura da empresa.  Modelos de avaliação da efetividade dos treinamentos Como forma de sanar essa lacuna, ele recorre a literatura especializada: com base nos trabalhos de Chen e Soltes(2018) e Brener (2021), o autor sugere três estratégias para que treinamentos dentro de um contexto de programas de compliance sejam efetivos, ativos e preventivos em tratar de desvios de conduta.  Em primeiro lugar, é sugerido o modelo de avaliação prévia e posterior (Modelo P&P). O Modelo P&P foca na realização de duas avaliações: antes dos treinamentos e posteriormente. Essas avaliações devem ser sobre o mesmo tópico justamente para poder analisar o nível de compreensão do tema (CHEN, p. 125).  Em segundo, é sugerido o Modelo Regressivo. Nele, a avaliação é feita apenas pós o treinamento e tem como foco o controle de violações de políticas e procedimentos. O autor sugere uma abordagem ativa (realizando testes hipotéticos), uma abordagem passiva (construindo situações falsas em que os limites éticos dos colaboradores são testados) e/ou uma terceira alternativa (contratação de profissional psicólogo ou antropólogo para realização de observações da evolução comportamental).  O terceiro modelo sugerido é o Modelo de Engajamento Ativo. Nesse, as avalições são realizadas durante o treinamento e a presença dos colaboradores é monitorada através de anotações (como consulta em celulares, presença durante todo o treinamento).  Conclusão Se analisarmos as estruturas de programas de conformidade, o Modelo P&P parece o mais factível de aplicação. Por meio de formulários online, é possível segmentar as perguntas para setores ou funções distintas (que enfrentem riscos específicos), e aplicar questionários com situações hipotéticas antes e depois de treinamentos. Além disso, a análise dos resultados dessas avaliações pode fornecer insights valiosos sobre as áreas que necessitam de maior foco e aprimoramento. Por exemplo, se um departamento específico demonstra baixo desempenho nas avaliações pós-treinamento, isso pode indicar a necessidade de revisitar os materiais de treinamento ou de realizar sessões adicionais focadas nesses colaboradores. Esse feedback contínuo e direcionado permite uma abordagem mais personalizada e eficaz na implementação das políticas de compliance. A aplicação do Modelo P&P também facilita a criação de um banco de dados robusto que documenta o progresso e o nível de compreensão dos colaboradores ao longo do tempo. Isso não apenas fortalece a cultura de conformidade dentro da organização, mas também fornece evidências concretas de esforços contínuos de treinamento e aprimoramento, que podem ser úteis em auditorias e revisões externas. Sobre o autor: Pedro César Oliveira é advogado especialista em Compliance. Membro da Comunidade Democratizando, também é membro da Associação Brasileira dos Investigadores de Fraudes e do Centro de Estudo de Cultura e Compliance. Possui artigos e livros publicados sobre o tema. Para ficar por dentro de todas as notícias, acompanhe o blog da Democratizando.